Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

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Capítulo 16 - Oceanografia costeira e estuários

Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.

1. Oceanografia costeira

Condições oceanográficas em águas costeiras diferem em muitos aspectos das condições no oceano aberto. Em particular, variações espaciais e temporais são maiores. Alguns dos fatores que causam estas diferenças são descargas de rios, correntes de mare e 0 efeito dos limites costeiros na circulação. A pesca, 0 despejo de resíduos e problemas de navegação constituem exemplos da importância dos estudos costeiros. Algumas das características da Oceanografia costeira serão descritas a seguir.

  1. O efeito da costa como uma fronteira limite nas correntes oceânicas e óbvio. Aqui se tem uma das poucas situações em que o homem pode exercer uma significativa influencia no oceano: a construção de diques, para a proteção da navegação, pode também redirecionar as correntes. Por outro lado, correntes e ondas na costa podem modificar as praias, com o transporte de areia e sedimentos ou por efeito de erosão.
  2. Os efeitos das correntes de maré são maiores na costa. Elas podem causar variações diurnas e semi-diurnas no volume d’água, mistura vertical, homogenização e transporte de calor.
  3. A radiação solar penetra ate o fundo, nas colunas d’água de locais rasos, causando elevações de temperatura maiores que no oceano profundo.
  4. O efeito direto da descarga de rios e de reduzir a salinidade das camadas de superfície, e até mesmo das camadas profundas (se houver grande mistura vertical). Em geral, a descarga de rios tem uma significativa variação sazonal, o que provoca flutuações sazonais da salinidade em águas costeiras muito maiores que no oceano aberto. Como os rios frequentemente carregam sedimentos em suspensão, normalmente águas costeiras são opacas; a deposição destes sedimentos diminui a profundidade (assoreamento) e em consequência resultam problemas de navegação.
  5. Em locais de baixa precipitação, a evaporação se toma importante e são então observados valores elevados de salinidade bem como de temperatura, em baias e mares parcialmente fechados.
  6. Massas de ar continentais, soprando sobre o oceano, afetam suas características, como por exemplo em áreas costeiras nas vizinhanças de grandes desertos, onde ocorrem elevados níveis de evaporação.
  7. Condições físico-químicas podem afetar bastante a pesca. Por exemplo, no Atlântico Norte, a elevação da temperatura de valores ligeiramente negativos para + 1°C proporciona um grande aumento na pesca do bacalhau.
  8. Medições oceanográficas em águas costeiras devem levar em conta a grande variação espacial e temporal das propriedades. Por exemplo, enquanto que em mar aberto a distancia entre estacoes oceanográficas é entre 50 e 100 km, medições costeiras devem ser efetuadas a intervalos de 5 a 10 km, ou menos. Além disso, as grandes variações costeiras diárias, sazonais e anuais das propriedades requerem medições nas respectivas escalas temporais. Por outro lado, eventualmente, alguns estudos no oceano profundo requerem pequeno espaçamento entre as estações, como por exemplo no caso de turbilhões associados as correntes de limite oeste.

2. Ressurgência costeira

A circulação de Ekman foi inicialmente apresentada para o caso do oceano aberto (ilimitado) e onde se assume uma profundidade infinita; nesse caso, os transportes na camada superior a direita do vento (no Hemisfério Norte) ou a esquerda do vento (no Hemisfério Sul) recebem suprimentos de massa vindos à esquerda do vento (no HN) ou a direita do vento (no HS); e com vento de superfície uniforme, não se desenvolve qualquer divergência nas correntes.

Entretanto, um caso especial ocorre quando o vento sopra na direção do Equador, paralelo a uma costa num limite leste do oceano. Neste caso, o transporte de Ekman da camada superior leva as águas para longe da costa e o único suprimento possível é de águas abaixo da camada de Ekman, ou seja, deve ocorrer uma ressurgência costeira. A largura da zona de ressurgência é, em geral, da ordem de 100 km e a velocidade vertical é algo em torno de 5 a 10 metros/dia. Resulta então uma faixa de águas mais frias próximo à costa (e, em geral, menos salinas).

A ressurgência costeira ocorre, por exemplo, no Pacífico (na costa da California e na costa do Peru) e no Atlântico (sudoeste e noroeste da África). Frequentemente as águas de ressurgência possuem maiores concentrações de nutrientes, o que favorece a produção biológica. Deve-se notar que a água que ressurge não constitui necessariamente água profunda. Observações mostram que se trata de água provinda de profundidades entre 50 e 300 m; por isso, muitas vezes as referencias são de “ressurgência de sub-superfície”.

3. Circulação de Ekman em águas rasas

A circulação de Ekman foi inicialmente estudada a partir do cisalhamento do vento na camada de superfície; entretanto, se pode ter, também, uma camada de Ekman no fundo. Assumindo, por simplicidade, um fundo do mar plano, o cisalhamento (fricção) no fundo do mar tende a retardar as correspondentes correntes marítimas; a redução da intensidade das correntes próximo ao fundo provoca a redução da magnitude da forca de Coriolis; isto faz com que as correntes tendam a rodar para a esquerda (no Hemisfério Norte) ou para a direita (no Hemisfério Sul), de modo a renovar o balanço entre a fricção, o gradiente de pressão e a forca de Coriolis. O resultado é uma espiral de Ekman que gira para a esquerda (no HN) e para a direita (no HS), à medida que a profundidade se aproxima do fundo (se tem uma rotação das correntes no fundo oposta a rotação na camada de superfície).

Na Teoria de Ekman aplicada a superfície, se assume inicialmente um oceano de profundidade infinita (profundidade h muito maior que a profundidade friccional D); entretanto, especialmente em águas rasas, essa hipótese inicial pode não se verificar; é possível, inclusive, ocorrer uma sobreposição das camadas de Ekman da superfície e do fundo, com tendencias de rotação opostas. À medida que a profundidade media de um local diminui, a maior o efeito de cancelamento dos transportes de Ekman da superfície e do fundo. A Tabela 1 mostra valores de h / D e dos correspondentes ângulos da corrente de deriva na superfície e do transporte líquido na coluna d’água.

Tabela 1

Relação profundidade média (h)/profundidade friccional (D)Ângulo da corrente de superfície com o ventoÂngulo de transporte de volume com o vento
1 ou mais45°90°
0,545°60°
0,2522°25°
0,103°06°

A Tabela 1 mostra que, quando h é maior que D, a espiral de Ekman provoca um transporte 90° a direita do vento (no HN) ou à esquerda do vento (no HS); mas, à medida que a profundidade média h diminui, tanto as correntes de superfície como o transporte de volume são cada vez mais na direção do vento.

4. Estuários

O termo estuário tem sido tradicionalmente usado para denotar a parte mais baixa de um rio, onde a mare e o fluxo do rio interagem. Para os oceanógrafos, uma definição mais precisa e desejável, de modo a definir o conjunto de fenômenos associados ao encontro de águas oceânicas com águas de características diferentes. Provavelmente, a melhor definição de estuario é devida a Cameron e Pritchard (1963):

“Um estuário e um corpo d’água costeiro semi-fechado, tendo uma conexão livre com o mar aberto, e no qual a água do mar é diluída com água não salina provinda do continente”.

Alguns cientistas definem o estuário simplesmente como a região em que a água oceânica é diluída por descarga de rios vindos do continente; mas esta definição incluiria grandes regiões costeiras, onde os controles na circulação por fronteiras físicas são muito diferentes. Dessa forma, a definição de Cameron e Pritchard é a mais adequada.

A água do rio que entra num estuário parcialmente se mistura com a água salina do mar e eventualmente flui na direção do mar aberto, na camada superior. Um correspondente fluxo de água do mar ocorre abaixo da superfície, para dentro do estuário. Os fluxos de entrada e saída são dinamicamente associados, de modo que enquanto o aumento do fluxo do rio tende a diminuir a salinidade da água do estuário, ele também causa um aumento do fluxo vindo do mar, o que por sua vez eleva a salinidade.

O extremo fechado de um estuário é chamado “cabeceira” e o extremo marítimo é chamado “boca” ou “barra”.

Os estuários podem ser classificados de várias maneiras.

Geomorfologicamente, eles podem ser divididos em:

  1. Estuários associados a planícies costeiras, que são geralmente rasos e com topografia de fundo suave.
  2. Fiordes, caracterizados por águas relativamente profundas e encostas íngremes. Eles ocorrem principalmente em regiões onde a glaciação é o efeito mais importante na forma do continente.
  3. Estuários associados a barras, constituídos por um canal estreito entre o continente e uma barra, construída pela sedimentação provocada por ondas.

Os estuários podem ser classificados em função do efeito dominante no controle da circulação ou mistura, podendo ser:

  1. Estuários controlados por rios, nos quais a descarga e preponderante nos padrões de circulação e mistura.
  2. Estuários controlados pela maré, onde as correntes de maré determinam a circulação e mistura de águas.
  3. Estuários controlados pelo vento, normalmente restritos a regiões de pequena amplitude de maré, e onde a circulação e a mistura induzidas pelo vento são preponderantes.

Os estuários são também classificados em função do grau de estratificação (Stommel, 1953), podendo ser (Figura 1):

  1. Estuários verticalmente homogêneos (A). Nestes, a água é misturada verticalmente e os estuários são homogêneos da superfície ate o fundo, em cada local em particular do estuário. A salinidade aumenta ao longo do estuário, da cabeceira à boca. As isohalinas da Figura 1 mostram a homogeneidade da água e as setas indicam a direção do fluxo líquido, o qual é na direção do mar em todas as profundidades. Os estuários verticalmente homogêneos normalmente são rasos e controlados pela maré.
  2. Estuários moderadamente estratificados (B). Nestes, a salinidade aumenta mais próximo ao mar, mas a água apresenta duas camadas; a camada de superfície é menos salina que a do fundo, havendo mistura entre elas (indicada pelas setas circulares na Figura 1). Neste tipo de estuário se tem um fluxo líquido de saída na superfície e um fluxo líquido de entrada no fundo . Estes estuários são normalmente rasos e controlados pelos rios.
  3. Estuários fortemente estratificados (C). Nestes, na camada de superfície, a salinidade aumenta de quase zero (no rio) a valores próximos aos encontrados no oceano (na extremidade aberta); entretanto, na camada de fundo, se tem uma salinidade praticamente uniforme, da cabeceira para a boca. Novamente o fluxo líquido é de saída na superfície e de entrada no fundo. Nestes estuários ha uma nítida haloclina (camada na qual a salinidade aumenta significativamente com a profundidade), onde se chega a ter gradientes verticais de salinidade de 20‰/m (no verão, nos períodos de grande descarga de rios). A mistura vertical apresenta predominância de movimento ascendente das águas salinas. Estes estuários são do tipo fiordes, e são controlados por rios.
  4. Estuários do tipo cunha salina (D). Nestes, a secção longitudinal de salinidade é característica: a água salina do mar se introduz como uma cunha abaixo da água do rio. Esta situação normalmente ocorre em rios com grande transporte de volume d’água. Note-se que a correspondente secção longitudinal apresentada na Figura 1 é exagerada na direção vertical; na verdade, a cunha salina e realmente bastante fina, de modo que as isohalinas são na realidade quase horizontais. A estrutura salina dos estuários do tipo cunha salina e similar à dos fortemente estratificados, com a distinção que nos de cunha salina não há gradientes de salinidade na superfície, devido ao grande volume d’água dos rios.

[Fig. 1: perfis típicos de salinidade em estuários]
Figura 1: perfis verticais (esquerda) e longitudinais (direita) típicos de salinidade em estuários

Num estuário, se a evaporação for menor que a precipitação e as descargas fluviais, o estuário é positivo; se a evaporação exceder a precipitação e as descargas fluviais, o estuário e negativo.

5. A circulação e o balanço de sal nos estuários

Em termos simples, a expressão da continuidade através de uma secção transversal do estuário e aproximada como

\[ F=E+R \]

onde F é a taxa de volume de saída, E é a taxa de volume de entrada e R é a taxa de descarga do rio (desprezando evaporação e precipitação). Sendo St a salinidade da água de saída e Se a de entrada, o balanço de sal pode ser expresso como:

\[ S_t F = S_e\,E \]

Combinando as duas equações anteriores resulta:

\[ F=\frac{S_e}{S_e - S_t} R \]

Dessa equação se observa que. à medida que a salinidade de saída se aproxima da salinidade de entrada, o volume de saída se toma muito menor que a descarga do rio.

Em termos mais precisos se deve considerar a velocidade U ao longo do estuário, secção transversais de área σ1 e σ2 para as fluxos de saída e entrada, a tempo t e um número inteiro n de ciclos de maré com período T de modo que, segundo a Figura 2:

\[ F = \iint_{\sigma_1} \int_0^{nT} U\,\mathrm{d}t\,\mathrm{d}\sigma \] \[ E = \iint_{\sigma_2} \int_0^{nT} U\,\mathrm{d}t\,\mathrm{d}\sigma \]

[Fig. 2]
Figura 2: esquema de uma secção transversal de um estuário, com as regiões de fluxo líquido para fora (1) e para dentro (2)

Sendo S’ a massa de sal por unidade de volume, se tem:

\[ \iint_{\sigma_1} \int_0^{nT} U\,S^{\prime}\,\mathrm{d}t\,\mathrm{d}\sigma + \iint_{\sigma_2} \int_0^{nT} U\,S^{\prime}\,\mathrm{d}t\,\mathrm{d}\sigma = 0 \]

A consideração de S’ acima ao invés da salinidade usualmente medida (como fracão de massa) é rigorosamente mais correta.

Normalmente, nos estuários, as correntes observadas e as correntes de maré em particular sofrem a ação da forca de Coriolis.

6. Mistura devido à maré

As correntes de maré apresentam uma certa assimetria na circulação dos estuários e, além disso, proporcionam um aumento da turbulência, o que acarreta uma mistura maior das águas. Em estuários com pequeno efeito de maré, a cunha salina tende a prevalecer, com pequena ou nenhuma variação de salinidade. A mistura de sal normalmente se processa com a penetração de águas do fundo para a camada de superfície, havendo muito poucas trocas no sentido oposto. Em casos extremos, a mistura devido amare pode formar um estuário verticalmente homogêneo.

A mistura vertical aumenta a energia potencial da coluna d’água e pode ser importante na circulação. A Baia de Fundy e um exemplo de estuário verticalmente homogêneo. McLellan (1958) estima que 3,09 × 106 kW são dissipados nesta baia pela fricção de mare e 3 × 104 kW elevam a energia potencial das águas pela mistura vertical.