Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

Aqui estão algumas das coisas que eu aprendi, descobri ou fiz (por obrigação ou por diversão). Espero que encontre algo que seja útil para você.

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Capítulo 14 - Ondas no oceano

Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.

1. Introdução

A superfície do mar apresenta variações contínuas de nível. E, em qualquer local, a superfície é alternadamente erguida e rebaixada, em relação a uma posição média. Visando descrever o fenômeno das ondas, são usados os seguintes termos, relativos a um único distúrbio simples (Figura 1):

[Fig. 1]
Figura 1

  1. Elevação η: é a distância vertical instantânea de um ponto da superfície a um nível representando a superfície sem distúrbio.
  2. Altura de onda (H): é a distância vertical entre uma crista (máxima elevação) e o cavado (mínima elevação) adjacente.
  3. Amplitude (A): é a metade da altura de onda, A=H/2.
  4. Comprimento de onda (L): é a distância horizontal entre cristas consecutivas (ou cavados consecutivos), na direção de propagação da onda.
  5. Número de onda (k): é a relação k = 2π/L.
  6. Período da onda (T): é o intervalo de tempo entre a ocorrência de cristas (ou cavados) sucessivos, numa posição fixa.
  7. Frequência (f): é o número de cristas (ou cavados) que ocorrem numa posição fixa por unidade de tempo, f = 1/T .
  8. Frequência angular (σ): é a relação σ=2π/T.
  9. Velocidade de fase (c): é a velocidade na qual a onda viaja, c = L/T = &sigma/k.
  10. Velocidade de grupo (cg): é a velocidade na qual a energia das ondas se propaga, cg = dσ/dk.
  11. “Esbeltez”: é a relação H/L.

2. O espectro das ondas na superfície do mar

A Figura 2 e a Tabela 1 mostram a designação dos diversos tipos de ondas na superfície do mar, seus períodos, energia relativa, suas causas e as forças controladoras das características das ondas.

[Fig. 2]
Figura 2: espectro de densidade de energia de ondas (Munk, 1950).

Tabela 1: classificação de ondas.

TipoFaixa de períodoForça controladoraForça geradoraObs.
Ondas capilares< 0,1 sTensão superficialVento 
Ondas ultra-gravidade0,1–1 sTensão superficial e gravidadeVento 
Ondas de gravidade ordinárias1–30 sGravidadeVentoSwell e vagas pertencem a esta categoria.
Ondas de infra-gravidade30 s–5 minGravidade e efeito de CoriolisVento e ondas de gravidade ordináriasSurf beat, ondas de tormenta e seiches pertencem a esta categoria.
Ondas de longo período> 5 minGravidade e efeito de coriolisTormentas e terremotosFazem parte desta categoria os tsunamis e marés de tormenta.
Ondas de maré ordináriasPeríodos fixos diurnos ou semi-diurnosGravidade e efeito de coriolisAtração gravitacional do Sol e da Lua 
Ondas trans-maré> 24 hGravidade e efeito de CoriolisTormentas e atração gravitacional do Sol e da Lua 

3. Descrição dos principais tipos de ondas na superfície do mar

  1. Ondas capilares: ventos muito fracos provocam distúrbios muito pequenos na superfície do mar, chamados ondas capilares; seu período característico é menor que um décimo de segundo e a força restauradora é a tensão da superfície.
  2. Marulho (swell): na ausência de ventos locais, os distúrbios na superfície de locais profundos tendem a ser ondas longas e regulares, comperíodos de 5 a 30 segundos. A amplitude é pequena em comparação com o comprimento de onda (A << L) e a configuração da superfície na direção de propagação da onda se aproxima a uma função seno. A variação da elevação (η) no tempo t e no espaço x pode ser expressa por \[ \eta = A \cdot \cos\left[ 2\pi\left( \frac{x}{L}-\frac{t}{T} \right) \right] \] ou seja \[ \eta = A \cdot \cos\left( k x - \sigma t \right) \] onde x é medido na direção de progressão das ondas. No marulho (swell), as cristas e cavados formam linhas longas e retas, que se estendem por pelo menos 6 ou 7 comprimentos de onda, perpendicularmente à direção de propagação. Uma única crista viaja uma distância L num tempo T, de modo que a velocidade de fase da onda ou celeridade é dada por \[ c = \frac{L}{T} = \frac{\sigma}{k} \] O marulho (swell) representa ondas geradas pelo vento que viajaram para fora da área onde foram geradas.
  3. Ondas de vento (vagas): Quanto mais fortes os ventos, maior a amplitude das ondas por ele geradas. E maiores amplitudes são associadas com maiores comprimentos de onda e maiores períodos. Quando o vento local cessa, as flutuações da superfície logo adquirem características de marulho (swell). Entretanto, a presença dos ventos faz com que as ondas então geradas não tenham feições regulares como o marulho (swell) mas parecendo ter “cristas reduzidas”. Ondas das mais variadas amplitudes, comprimentos e períodos podem ser identificadas. As cristas das ondas são notavelmente na forma de picos e tendem a ser inclinadas na direção de propagação. Ainda que a direção geral de progressão coincida com a dos ventos presentes e recentes, há consideráveis variações de ondas individuais; isto resulta em picos mais curtos e no “mar confuso”.
    A forma de pico das ondas geradas pelo vento pode ser atribuída à interferência de ondas de diferentes períodos e velocidades, mas há razões teóricas que justificam porque componentes individuais não possuem a forma senoidal pura. Matematicamente, ondas geradas pelo vento são representadas pela somatória de termos senos e cossenos. Os parâmetros característicos das ondas são então caracterizados por valores extremos ou por valores médios. Por exemplo, a altura da onda é substituída pela “altura significativa”, sendo esta a média das alturas de um terço das ondas de maior amplitude. O "período significativo" é o período associado com as ondas de “altura significativa”.
    O mecanismo exato de geração de ondas de vento na superfície não é completamente conhecido. Na verdade, podem ser considerados dois mecanismos, agindo separadamente ou em conjunto; o primeiro na forma de drag (arrasto) e o segundo na forma de flutuações da pressão na camada limite turbulenta da atmosfera.
    “Pista” é a extensão horizontal (fetch) em que o vento age na superfície do mar, a partir do ponto de observação. “Duração” é o tempo de atuação do vento na superfície do mar.
  4. Surf beat: Ondas resultantes da sobreposição de ondas incidentes em praias inclinadas são chamadas surf beat, cujo período típico é de vários minutos. Elas representam um modo de oscilação da água distinto, o qual é excitado pela ação de ondas.
  5. Seiches: Corpos d'água apresentam frequências naturais de oscilação, regulados pela profundidade, dimensões horizontais e configuração de bacias, plataformas, baías, estuários, etc… Estas frequências naturais de oscilação, chamadas seiches, normalmente são excitadas por condições meteorológicas ou marés.
  6. Ondas de tormenta: São ondas devidas a ventos muito fortes.
  7. Tsunamis: Os tsunamis são ondas geradas por distúrbios do fundo marinho (maremotos e terremotos), em intervalos irregulares; seu nome japonês é indicativo de sua freqüente ocorrência no Pacífico. No mar aberto, essas ondas longas passam praticamente desapercebidas, embora a energia transmitida seja grande; já em regiões rasas, essas ondas atingem um efeito espetacular, formando verdadeiras paredes de água, de até 5 ou 10 metros de altura, causando grande destruição em áreas costeiras. Os períodos das ondas são da ordem de 10 a 30 minutos, e os comprimentos de onda no oceano profundo vão de poucos quilômetros a centenas de quilômetros.
  8. Marés de tormenta ou ressaca: Ventos persistentes podem empilhar água contra a costa, elevando de forma anormal o nível da superfície do mar; podem também rebaixar de forma exagerada este nível. Esses efeitos são chamados marés de tormenta ou ressacas e podem ser tratados como ondas de longo período, embora esses distúrbios não sejam, estritamente, periódicos.
  9. Marés: Marés astronômicas ou, simplesmente, marés são distúrbios resultantes da atração gravitacional do Sol e da Lua, com periodicidades bem definidas. Os movimentos da água são característicos de ondas longas, sendo muito influencados pela configuração das bacias e pela aceleração de Coriolis.
  10. Ondas trans-marés: A composição de distúrbios gerados por tempestades ou furacões com as marés astronômicas forma as ondas de trans-maré.

4. Medição de ondas de superfície

Ondas podem ser medidas através de sensores de pressão colocados no fundo do mar e que são sensíveis às oscilações de alta frequência da superfície do mar, registrando-as internamente. O uso de vanos ondógrafos (de pressão) numa determinada área permite conhecer, além das amplitudes e períodos, também a velocidade de propagação e o comprimento das ondas.

As ondas podem também ser medidas em plataformas fixas, com sistemas de bóias acopladas a régua e pena, os quais registram variações de alta freqüência do nível da superfície do mar.

Atualmente, ondógrafos direcionais são utilizados, baseados em bóias de superfície fundeadas (em geral na plataforma continental) e que medem a aceleração da água, fornecendo assim a altura e direção das ondas.

Finalmente, medições da altura significativa de ondas são realizadas através de altimetria de satélite, em função da forma dos ecos de sinais eletromagnéticos.

5. Teoria de Airy de ondas de gravidade

A equação 2 descreve plenamente uma onda plana de forma permanente. Onda plana significa aquela que tem crista longa, isto é, a forma do distúrbio é independente da coordenada horizontal normal à direção de propagação. Forma permanente significa que, seguindo a onda na sua velocidade de fase ou celeridade (c = c/k = L/T), o campo de movimento, a distribuição de pressão e a elevação da superfície permanecem constantes.

A superfície com distúrbio é harmônica simples e com amplitude constante. Teoricamente, este tipo de trem de onda somente pode existir se a amplitude é muito pequena quando comparada à profundidade total do local e também em relação ao comprimento de onda. Se essas condições não são satisfeitas, então a configuração da superfície deve se aproximar da forma trocoidal, caracterizada por cavados longos e planos e por cristas estreitas e pontudas. O movimento de partículas nas ondas trocoidais não é puramente oscilatório, e alguma forma de translação do fluido ocorre.

A teoria de onda clássica ou teoria de Airy trata de ondas planas de forma permanente. Como são ondas planas, uma solução bi-dimensional será completa.

Considere-se um sistema de coordenadas como o da Figura 3, com sua origem na superfície sem distúrbio. A dimensão \(x\) aumenta na direção de propagação da onda e \(z\) é medido na vertical, positivo para baixo. \(u\) e \(w\) são as componentes de velocidade das partículas nas direções \(x\) e \(z\) respectivamente (versores \(\vec{i}\) e \(\vec{k}\)). O fundo é em \(z=h\), onde \(h\) é a profundidade da coluna sem distúrbios. \(p\) é a pressão.

[Fig. 3]
Figura 3

As seguintes hipóteses são consideradas:

  1. A amplitude do distúrbio na superfície é muito pequena se comparada ao comprimento de onda e à profundidade.
  2. O fluido tem profundidade uniforme \(h\).
  3. O fluido é não viscoso e irrotacional (sem vorticidade).
  4. O fluido é incompressível e homogêneo.
  5. A aceleração de Coriolis pode ser desprezada.
  6. A tensão na superfície pode ser desprezada.
  7. O fundo é suave e impermeável.
  8. A pressão atmosférica no nível do mar é uniforme.

(5) exclui ondas muito longas; (6) exclui ondas muito curtas; (4) exclui ondas acústicas e internas.

Da hipótese (4) (não divergência) resulta:

\[ \frac{\partial u}{\partial z} - \frac{\partial w}{\partial x} = 0 \]

Da hipótese (3) (irrotacionalidade) resulta:

\[ \frac{\partial u}{\partial x} + \frac{\partial w}{\partial z} = 0 \]

A aceleração na direção \(x\) é devida apenas ao gradiente de pressão. Sendo \(\rho\) a densidade do mar,

\[ \frac{\partial u}{\partial t} = -\frac{1}{\rho}\frac{\partial p}{\partial x} \]

O sistema de equações (4), (5) e (6) fornece as soluções de \(u\), \(w\) e \(p\) para as ondas de Airy. Suas condições de contorno são as seguintes. Da hipótese (1) vem que:.

\[ w=\frac{\partial\eta}{\partial t} \quad \text{em}\quad z=0 \]

Da hipótese (7) resulta:

\[ w=0 \quad \text{em}\quad z=h \]

E, das hipóteses (1) e (8) tem-se:

\[ p=p_a \quad \text{em}\quad z=0 \]

onde \(p_a\) é a pressão atmosférica.

A superfície livre é definida por \(z=\eta\); entretanto, devido à hipótese (1), as condições de contorno (7) e (9) são aplicadas em \(z=0\).

As equações (4), (5) e (6), sujeitas às condições de contorno (7), (8) e (9), definem um problema linear de modo que uma onda harmônica simples é uma solução possível. Assim, a superfície é assumida na forma:

\[\eta=A\cdot\cos\left(k x-\sigma t\right) \]

então

\[ u = A \cdot \sigma \frac{\cosh\left( k(h-z) \right)}{\mathrm{senh}(k h)} \cos\left( k x-\sigma t \right) \] \[ w = A \cdot \sigma \frac{\mathrm{senh}\left(k(h-z)\right)}{\mathrm{senh}(k h)} \mathrm{sen}(k x-\sigma t)\]

e

\[ p = p_a-\rho g z + \rho g A\frac{\cosh\left(k(h-z)\right)}{\cosh(k h)} \cos(k A - \sigma t) \]

e também

\[ \sigma^2 = g k \cdot \tanh(k h) \]

onde \(g\) é a aceleração da gravidade.

Como a velocidade de fase é definida como \(c=\sigma/k=L/T\), resulta:

\[ c^2=\frac{g}{k}\tanh(k h) \]

A função \(\tanh\) é definida como:

\[ \tanh(\alpha) = \frac{\mathrm{e}^{\alpha} - \mathrm{e}^{-\alpha}}{\mathrm{e}^{\alpha} + \mathrm{e}^{-\alpha}} \]

Quando \(\alpha\to\infty \Rightarrow \alpha\to 1 \) e quando \(\alpha\to 0 \Rightarrow \alpha \simeq \alpha\). Portanto, em águas profundas (\(h/L>0,5\)), (15) torna-se:

\[ c= \sqrt{\frac{g}{k}} = \sqrt{\frac{g L}{2\pi}} \]

E, em águas rasas (\(h/L < 1/20\)), \(c\) passa a ser:

\[ c = \sqrt{g h} \]

As equações (11) e (12) definem o movimento orbital das partículas individuais de água. Em locais profundos, as partículas se movem em órbitas circulares fechadas, cujo raio (\(A \exp(- k z)\)) diminui exponencialmente com a distância abaixo da superfície; a Figura 4 mostra as órbitas das partículas. as velocidades orbitais instantâneas e as linhas de corrente (tracejadas) numa onda que se propaga em águas profundas; abaixo da profundidade igual à metade do comprimento de onda (\(z=L/2\)) o movimento orbital das partículas é desprezível. Em locais rasos, as trajetórias das partículas são elipses achatadas, cujo eixo horizontal é (\(A L/\pi h\)) e o eixo vertical é (\(2A(h-z)/h\)), como mostrado na Figura 5.

[Fig. 4]
Figura 4: ilustração qualitativa das órbitas das partículas. as velocidades orbitais instantâneas e as linhas de corrente (tracejadas) numa onda que se propaga em águas profundas.

[Fig. 5]
Figura 5: análogo à Figura 4, mas para ondas de águas rasas.

é interessante notar que, em águas rasas, a velocidade de fase \(c\) varia com a profundidade \(h\), e portanto o comprimento de onda também varia com a profundidade (\( L = T\sqrt{g h}\)), mantendo o período constante. Dessa forma, pode ser violada a hipótese inicial de forma permanente; portanto, estritamente falando, as equações (11), (12) e (13) não podem ser aplicadas em águas rasas de profundidade variável; entretanto, (18) independe da forma da onda e pode ser usada para ondas se movendo nestes locais. Deve-se notar que essas quatro equações são válidas em regiões rasas. mas de profundidade constante.

6. Fenômenos associados à propagação das ondas na superfície do mar

[Fig. 6]
Figura 6

[Fig. 7]
Figura 7: esquema da refração de ondas aproximando-se da costa em uma praia reta com inclinação uniforme.

[Fig. 8]
Figura 8: convergência de ondas ao passar sobre uma elevação submarina (A) e divergência de ondas em um vale submarino (B).

[Fig. 9]
Figura 9: como exemplo de uma solução empírica, nesta figura, são calculadas as alturas significativas das ondas (em metros), partindo dos valores da velocidade do vento (em m/s), movendo-se para os valores do fetch (pelas linhas horizontais, com valores em km) ou duração (pelas linhas tracejadas, com valores em horas) e chegando, através das linhas cheias, para os valores de alturas das ondas.

[Fig. 10]
Figura 10: desenvolvimento da altura significativa \(H_s\) (m), em função da extensão da pista (km), para velocidades do vento de 5, 10, 15, 20 e 25 m/s.

[Fig. 11]
Figura 11

Ondas internas

As ondas acima discutidas são as que se manifestam como uma oscilação da interface ar-mar. Oscilações similares são possíveis na interface de dois fluidos de densidades diferentes. A energia envolvida nas oscilações depende da razão \[ \frac{\text{diferença de densidades}}{\text{densidade}} \]

Quando a diferença de densidade é uma pequena fração da densidade, ondas de grande amplitude podem se propagar com pequena energia. No oceano real, observações tem demonstrado que variações de temperatura em profundidade podem ser associadas a ondas intemas, notáveis principalmente nas variações espaciais e temporais das profundidades das isotermas (Figura 13).

[Fig. 13]
Figura 13: exemplo de uma série de ondas internas observadas em San Diego, Califórnia. São mostradas superfícies isotermas (em °F).