Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

Aqui estão algumas das coisas que eu aprendi, descobri ou fiz (por obrigação ou por diversão). Espero que encontre algo que seja útil para você.

MaterialIOF 1202 → Capítulo 4

Capítulo 4 - Leis de conservação

Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.

 

Ciências básicas utilizam princípios de conservação: energia, momentum, etc…

Oceanografia Física: leis de conservação de massa, volume, sal, calor

1. Conservação da massa

A lei de conservação da massa é utilizada em Oceanografia em diversas situações

Por exemplo, para um canal, esta lei exige que a massa de água que passa pela entrada menos a massa que passa pela saída do canal seja igual à variação da massa de água no interior do canal (normalmente indicada pela variação do nível da superfície da água)

E no meio oceânico como um todo, a massa de água advinda de precipitações de chuva e neve mais a recebida por rios e derretimento de gelo é aproximadamente igual à massa de água perdida por evaporação mais a que congela

2. Conservação do volume

Princípio da conservação do volume (ou equação da continuidade): consequência do fato da compressibilidade da água ser pequena

[Fig. 1]
Figura 1: Expressão da conservação do volume numa região estuarina. Termos em m3/s, numa situação estacionária, assumindo variações do nível do mar e marés muito pequenas.

R0: descarcaga do rio

Vo, Vi: transporte para fora e para dentro do estuário

E, P: taxas de evaporação e precipitação

\[ V_i + R + P = V_o + E \] \[ V_o - V_i = R+P-E=X \]

3. Conservação do Sal

Princípio da conservação do sal indica que a quantidade total de sais dissolvidos no oceano é constante (∼5 × 1019 kg)

Rios de todo o mundo levam para os mares, por ano, apenas ∼3 × 1012 kg de sólidos dissolvidos.

Portanto, para aplicações práticas, a salinidade total dos oceanos é constante.

Princípio enunciado para o oceano global é válido para pequenos corpos d'água

Princípio é mais rigoroso se aplicado a áreas limitadas sem contribuição de rios

Utilização é muito conveniente para corpos d'água parcialmente fechados, com limitada conexão com o oceano (ex: Mediterrâneo, um fjord, …)

ρo, ρi: densidades da água nos fluxos para fora e para dentro do estuário.

So, Si: salinidades da água nos fluxos para fora e para dentro do estuário

\[ V_i\,\rho_i\,S_i = V_o\,\rho_o\,S_o \]

Se considerar ρo ∼ ρi, então

\[ V_i\, S_i = V_o\, S_o \]

Combinando esta equação com a segunda equação do volume:

\[ V_i = X \frac{S_o}{S_i - S_o} \] \[ V_o = X\, S_i\frac{S_o}{S_i - S_o} \]

4. Dois exemplos de aplicação dos princípios de conservação

[Fig. 2]
Figura 2: Casos do mediterrâneo e do Mar Negro.

 MediterrâneoMar Negro
Volume total3,8 × 106 km30,6 × 106 km3
Prof. entrada330 m70 m
Vi1,75 × 106 m3/s6 × 103 m3/s
Si36,335
Vo1,68 × 106 m3/s13 × 103 m3/s
So37,817
X = R + P - E−0,07 × 106 m3∼ 6,5 × 103 m3
X = Vo - Vi−5,5 × 104 km3/ano0,02 × 104 km3/ano
TR70 anos3000 anos

TR: Tempo de residência, período necessário para renovar totalmente as águas de uma área limitada (também chamado flushing time).

Contraste de TR no Mediterrâneo e no Mar Negro. Em consequência, a concentração de O2 no Mediterrâneo é 4 ml/l, enquanto que no Mar Negro, abaixo de 200 m, é zero. A concentração de sulfeto de hidrogênio no Mar Negro, abaixo de 200m, é 6 ml/l. Assim, diz-se que o Mediterrâneo é “bem ventilado”. O Mar Negro, abaixo de 95 m, é estagnado.

5. Conservação de calor

A temperatura das águas oceânicas varia no espaço e no tempo.

Esta variação depende dos fluxos de calor que entram e saem em cada corpo d'água, e o cálculo desses fluxos se denomina “balanço térmico”. Esses tluxos de radiação normalmente são denotados pela letra Q, com índices identificando cada componente do balanço térmico.

Símbolo Q: fluxo: calor por unidade de tempo por unidade de área

Unidades de Q: cal/unidade de tempo/cm²; como 1 langley (ly) representa 1 cal/cm², então os fluxos de calor são dados em ly/unidade de tempo.

Opção mais usada para as unidades de Q: Joules/segundo/m² (Watts/m² ou W/m²) (1 cal = 4,185 J).

Componentes do balanço térmico (+ ganho pelo oceano, - perda do oceano)

Símbolo Termo   Natureza Nível de profundidade
QS radiação solar incidente (de onda curta) + radiação superfície
QV Advecção e difusão (correntes e mistura) ± molecular qualquer
QB Radiação emitida pelos oceanos (de onda longa) - radiação superfície
QH Condução de calor - molecular superfície
QE Excesso de evaporação sobre condensação - molecular superfície
QT Absorção de calor (variação de temperatura) ± molecular qualquer

QH, QE podem ser ganhos (+)

[Fig. 3]
Figura 3: Valores típicos dos termos do balanço de calor (são apenas valores médios).

Outras contribuições: calor do interior da Terra, transformação de energia cinética das ondas em calor, calor advindo de reações químicas ou nucleares, … são desprezíveis. Portanto, equação do Balanço de calor

\[ Q_S + Q_V = Q_B + Q_H + Q_E + Q_T \]

Para o oceano global, QV = 0.

Para o oceano global, num grande número de anos completos, Qv =QT =O.

Neste caso, QS = QB + QH + QE

Distribuição percentual típica : QB40%, QH 5%, QE 55%.

6. Teoria da radiação eletromagnética

Lei de Stefan: corpo com temperatura absoluta T emite radiação

\[ Q = \sigma T^4 \] \[ \sigma = 5,7338\,\mathrm{Jm}^2\mathrm{K}^{-4}s^{-1} \]

Lei de Wien: corpo com temperatura absoluta T tem máxima emissão no comprimento de onda

\[ \lambda_m=\frac{K}{T} \]

onde K = 2897 μm K

  T λm No espectro eletromagnético
Sol 6000 K ∼0,5 μm ondas curtas, parte visível
Superfície do oceano 17°C ∼ 290 K ∼ 10μm ondas longas, infra-vermelho

7. Radiação de ondas curtas (QS)

[Fig. 4]
Figura 4: Distribuição percentual da radiação solar incidente na Terra: 48% atinge o mar, dos quais 29% é radiação direta (do sol) 19% é radiação indireta (após espalhamento na atmosfera).

Radiação solar que atinge o topo da atmosfera é a “constante solar”, medida por satélites , 1365 a 1372 W/m² (perpendicularmente aos raios solares). Devido à absorção e espalhamento na atmosfera, somente 50% (ou menos) atinge a superfície da terra (e do mar).

Fatores que afetam QS:

  1. Duração do dia (depende da estação do ano e da latitude) - ver Figura 5
  2. Elevação do sol (Densidade de energia é proporcional ao seno do ângulo de elevação do sol.
  3. Absorção na atmosfera (devido a moléculas de gás, poeira, vapor d'água, …)
  4. Efeito de nuvens: que diminui a radiação direta e daí a total, embora aumente a radiação indireta
  5. Efeito de ondas na superfície do mar (que modificam os ângulos de incidência dos raios de sol)

[Fig. 5]
Figura 5

Expressões matemáticas para fluxos:

Para efeito (1), na ausência de nuvens, sendo θn o ângulo de altitude do sol ao meio dia (em graus) e td a duração do dia (em horas) - dados em Almanaques Náuticos,

\[ Q_{SO} = 0.4\,\theta_n\,t_d\quad[W/m^2] \]

Para efeito (4), sendo C a cobertura de nuvens em oitavas:

\[ Q_S^{\prime} = Q_{SO}\,\left( 1-0.0012C^3 \right) \]

Para levar em conta a reflexão na superfície do mar:

\[ Q_S = Q_S^{\prime} - \left[ 0.15 Q_S^{\prime} - (0.01 Q_S^{\prime} )^2 \right] \]

Observações sugerem multiplicar o valor acima por 0,7.

8. Radiação de ondas longas (QB)

Os proporcional à temperatura absoluta da superfície elevado à quarta potência, mas subtraindo radiação de onda longa emitida pela atmosfera que atinge o mar.

Este último efeito depende do conteúdo de vapor d'água na atmosfera.

Fórmula prática: Sendo ts a temperatura da água (em °C), eA a umidade relativa do ar na superfície (em %), C a cobertura de nuvens (em oitavas)

\[ Q_B = (143-0,9 t_s -0,6 e_A) (1-0,1 C)\quad \text{em W/m}^2 \]

Valores típicos de QB (sem nuvens): 120 a 70 W/m²:

[Fig. 6]
Figura 6: Valores de QB para C = 0 (Notar que aumento de ts gera aumento exponencial de eA, e daí diminuição de QB)

Variações espaciais e temporais de QB: variações geográficas, diárias e sazonais são pequenas, em contraste com as grandes variações de QS. Por exempio, uma variação sazonai de 100 e a 200 e conduz a uma relação de Os de 2934 / 2834 (aumento de apenas 15%) (Variações de umidade relativa do ar acima do oceano são pequenas)

Efeito de nuvens em QB: se encontra no fator (1 - 0,1 C) e deve corresponder a nuvens substanciais (stratus ou cumulus) Para cobertura total, C = 8 e o fator é 0,2

Efeitos de gelo e neve em QB: para a superfície de água, 10 a 15% da radiação de ondas curtas (sol + céu) é refletída. Para gelo ou neve na superfície, porcentagem refletida é bem maior (50 a 80%). Mas, tanto para superfície de água ou de gelo, Os é praticamente o mesmo. Então (QS - QB) no gelo é bem menor, o que ajuda a manter um gelo formado.

9. Evaporação (QE)

Evaporação é muito importante, mas difícil de determinar diretamente. Implica em perda de volume d'água e de calor

\[ Q_E - F_E \, L_T \]

FE é a taxa de evaporação da água, em kg/s; LT é o calor latente de evaporação, em kJ/kg.

Para a água pura, sendo tS a temperatura da superfície (em °C)

\[ L_T = 2494 - 2,2t_S \]

Dificuldades em conhecer FE. Valores típicos: média global: 120 cm/ano, sendo 30 a 40 cm/ano em altas latitudes, 200 cm/ano nos trópicos (máximo associado aos ventos alíseos), 130 cm/ano no Equador (ventos mais fracos e input de radiação menor, devido à cobertura de nuvens)

Fórmula teórica para estimar FE:

\[ F_E = -A_E \frac{de}{dz} \]

AE é o coeficiente de difusão do vapor d'água; de/dz é o gradiente da concentração de vapor d'água no ar acima da superfície do mar; AE é devido à difusão molecular e efeitos turbulentos na atmosfera (turbulência é mais importante que efeitos moleculares). Dificuldades em estimar variações turbulentas (e os valores de AE)

Fórmula prática para FE, baseada em es, eA pressão parcial do vapor d'água no mar e no ar (a 10 m), em kilopascals (101,325 kPa = 760 mm Hg). W velocidade do vento a 10 m de altura, em m/s.

\[ F_E = 1,4 (e_s-e_A) W \]

em kg/dia/m² da superfície do mar; portanto \[ Q_E = F_E L_T = 1,4 (e_S - e_A) W (2494 - 2,2 t_S) 10^3 / 86400 \quad \text{em W/m}^2 \]

Relação entre as fórmulas teórica e prática de FE: (es - eA) corresponde a - de/dz

1,4 W leva em conta efeitos de turbulência

Em geral, no oceano, eS > eA logo FE é positivo e QE é positivo. No termo QE, a evaporação representa perda de calor pelo oceano. Esporadicamente, es < eA logo FE é negativo e QE é negativo. Nesse caso, no termo QE, a condensação representa ganho de calor pelo oceano.

10. Condução de calor (QH)

Em breve.

11. Razão de Bowen (R)

\[ R=\frac{Q_H}{Q_E} \]

A relação das fórmulas teóricas de QH e QE indica que \[ R = 0,062 \frac{t_S - t_A}{e_S - e_A} \]

temperaturas em °C e pressões parciais em kPa.

Foi assumido que AE e AH são numericamente iguais, ambos são devidos a movimentos turbulentos do ar acima do mar.

Continua em breve.

12. Comentários sobre os cálculos dos termos da equação do balanço do calor

Em breve.

13. Distribuição geográfica dos termos da eq do balanço de calor

[Fig. 7]
Figura 7: Variação dos termos com a latitude, no Hemisfério Norte (considerando valores médios anuais)

QS, QE tem significativa variação com a latitude (principalmente até cerca de 50°N).

QS, QH variam pouco com a latitude.

Do Equador até 30°N: ganho líquido de calor.

De 30°N aos polos: perda líquida de calor.

Valores da Figura são em W/m²; multiplicando pelas áreas das zonas de latitude, o ganho e a perda equivalem (mas não exatamente).

Consequência do ganho em baixas latitudes e da perda em altas latitudes: fluxo de calor na direção dos polos, pelas correntes marítimas e os ventos.

Contribuição das correntes no fluxo de calor: 60% a 20°N (máximo), 25% a 40°N, 9% a 60°N.

Fluxos de calor no Hemisfério Sul são similares, na direção dos palas, para compensar as perdas das altas latitudes no balanço geral. Entretanto, no Atlântico Sul, fluxo de calor oceânico é na direção do Equador

[Fig. 8]
Figura 8: Fluxos médios de calor e de volume nos oceanos

14. Pesquisas sobre a interação oceano-atmosfera

Grande esforço de pesquisas tem sido realizado no estudo dos balanços e dos fluxos de calor nos oceanos, com a colaboração de meteorologistas e oceanógrafos, em diversos programas internacionais. Estudos de interação ar-mar são importantes em estudos / simulações / previsões meteorológicas e climáticas.

Grande parte da energia da atmosfera vem do mar (como calor latente de evaporação + condução + radiação). A atmosfera é caracterizada por variações de menor escala de tempo, se comparada ao oceano, que possui “memória térmica” maior.