Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

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Relatório do Trabalho de Campo: Ubatuba, outubro de 2007

Relatório elaborado pelos alunos Caio Caciporé Ferreira, Carine de Godoi Rezende Costa, Cecília Rondinelli, Danilo Rodrigues Vieira, Dante Campagnoli Napolitano, Fábio Radomille de Santana, Luis Fabiano Baldasso e Roberto Tomazini de Oliveira em 2007 como parte da disciplina IOB 0132 – Produtores Primários Marinhos, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

Introdução

Foi realizada uma viagem de campo até a Base Clarimundo de Jesus do IO-USP, situada no município de Ubatuba na Enseada do Flamengo (ilustrada na Figura 1), mais exatamente na praia do Lamberto (23° 30,00 S 45° 0,70 W). A Enseada do Flamengo é uma área de baixo hidrodinamismo, protegida das grandes tempestades e contornada por grandes paredões rochosos.

As praias desta enseada são compostas por areias que variam de finas até grossas, e apresentam grandes quantidades de rochas. Devido ao fato do litoral Sudeste ser altamente recortado e rodeado de serras, estas rochas (provavelmente desprendidas da serra adjacente) encontradas ao longo de toda a região costeira acabam se fixando nas praias e oferecem um ótimo substrato para a colonização por diversos organismos que habitam a interface entre a hidrosfera, a litosfera e a atmosfera. O nome usualmente dado a esse ambiente costeiro é costão rochoso, que é considerado muito mais uma extensão do ambiente marinho que do terrestre, uma vez que a maioria dos organismos que habitam-no, estão relacionados ao mar.

[Fig. 1: Enseada do Flamengo]
Figura 1: vista geral da Enseada do Flamengo.

O ecossistema em um costão rochoso pode ser muito complexo, porém apresenta grande variação quanto a biodiversidade devido ao regime de maré e das ondas que agem sobre o costão. Por isso, podemos classificar os costões em dois tipos: um costão exposto e um costão protegido. O costão rochoso em questão, ou seja, o estudado na Enseada do Flamengo em Ubatuba, trata-se de um costão protegido (característica adquirida devido à enseada). Observando-se a área destacada no gráfico da Figura 2, que relaciona a quantidade de estresse que as espécies do costão rochoso estudado estão sofrendo e a biodiversidade correspondente, estima-se que este seja um costão rochoso protegido que apresenta uma biodiversidade média.

[Fig. 2]
Figura 2: gráfico ilustrando a biodiversidade relacionada a uma dada taxa de estresse.

Esse ecossistema de média biodiversidade pode ser composto principalmente por macroalgas, crustáceos associados ou não, moluscos e esponjas incrustados. As macroalgas são organismos multicelulares, fotossintetizantes avasculares com talo macroscópico pertencentes aos filos Rhodophyta, Phaeophyta e Chlorophyta. São organismos bentônicos que vivem quase toda sua vida fixos a um substrato sólido, consolidado ou não, sobretudo rochas ou corais mortos, por isso as áreas mais ricas em macroalgas são os costões, fundos rochosos e áreas recifais. Apresentam grande variedade morfológica e de estruturas que desempenham funções vitais para a alga, daí a sua alta importância para o ecossistema em geral, desempenhando o papel de produtor primário da cadeia trófica, e funcionando em grande parte do tempo como hábitat para a meiofauna associada. Como representantes dessa classe de habitantes da zona costeira estão: copépodes, nemátodas, isópodas, tanaidáceos, gastrópodes, anômuras, poliquetas, decápodas, dentre outros organismos que aproveitam a alta produtividade das algas e o refúgio ofericido por estas.

Já os moluscos, crustáceos e as esponjas pertencem ao grupo dos organismos incrustantes do costão rochoso, o qual estão sempre sobre a influência do regime de maré e das ondas. Devido a sua alta dependência da água marinha, alguns animais são mais resistentes à falta de água e à exposição ao sol (ressecamento) e outros animais são bem menos tolerantes a esses fatores. Por isso, a ocupação vertical ao longo do costão rochoso por esses organismos incrustantes sempre segue a regra dos mais resistentes na parte superior, e à medida que segue para a parte inferior do costão os organismos são gradativamente menos resistentes a exposição e à falta de água do mar. Isso denomina-se zonação de um costão rochoso, em que identifica-se faixas características de animais que ocupam favoravelmente sempre a mesma região correspondente nos costões rochosos em geral, levando em conta faixas de transição (condições favoráveis para duas ou mais espécies) e as próprias condições de maré e de ondas (amplitude e energia, respectivamente). Além disso, esses organismos dependem intrinsicamente da disponibilidade de alimento (no caso, principalmente fito e zooplâncton). O fitoplâncton é formado por microalgas que encontram-se na coluna d’água restrita à zona eufótica, composto principalmente por organismos unicelulares, fotossintetizantes e sem capacidade de locomoverem-se intencionalmente por grandes distâncias, como, por exemplo, diatomáceas, dinoflagelados, cianofíceas (cianobactérias), criptofíceas, euglenofícias, silicoflagelados, cocolitoforídeos e muitos outros fitoflagelados não identificados.

Por isso, com intuito de estudar e entender melhor a distribuição e variedade das macroalgas, a zonação nos costões rochosos e a diversidade biológica fitoplanctônica, de forma didática, foram feitas as atividades descritas nas seções de 3.1 a 4.3 deste relatório.

Macroalgas e Costão Rochoso

Grande parte da matéria orgânica que sustenta o sistema bentônico de Ubatuba é proveniente de macroalgas, que são mais fáceis de serem degradadas que a de origem terrígena (plantas superiores, mais reflexivos e, portanto, mais difíceis de serem degradados).

90% da matéria orgânica de macroalgas é liberada no sistema em forma de matéria orgânica particulada e matéria orgânica dissolvida que vai para a coluna d’água ou bentos. 10% é consumido na hora por seres herbívoros.

Macroalgas possuem maneiras de evitar a herbivoria através de compostos secundários (deterrentes) que, por exemplo, dão gosto ruim e, talvez por isso, sejam só 10% consumido.

2.1 Zonação

Zonação é a distribuição dos organismos em faixas de zonas dispostas horizontalmente, onde cada espécie é mais abundante em locais onde as condições ambientais favorecem sua sobrevivência, sendo um padrão mundial, podendo haver variação de espécies em cada zona devido à diferentes latitudes, níveis de maré, exposição ao ar, entre outros.

A zonação é afetada por fatores físicos (que afetam principalmente as faixas mais altas da zonação), como os níveis de maré, que afetam com relação ao tempo de submersão entrando aí a exposição à luz com aumento de temperatura e dessecação do organismo, ação das ondas irá influenciar na resistência à tração, quanto ao alcance vertical do organismo devido a respingos de ondas. Quando submerso, a turbidez afetará na quantidade de luz que o organismo recebe. Já os fatores bilógicos irão afetar os organismos do costão devido a relações de competição e predação. Assim, quanto mais perto da faixa de maré alta, irá lidar com a perda d’água, aumento da salinidade, mais expostos ao calor tendo maior tolerância a esses fatores.

[Fig. 3: Zonação]
Figura 3: 1: Sublitoral, faixa em que o organismo está praticamente o tempo todo submerso (1 ou 2 horas por ano emerso); 2: supralitoral.

Os organismos das zonas superiores, como cracas, não vão para níveis mais baixos, onde há mais alimento, justamente devido a fatores biológicos como diversidade, competição e predação. Organismos mais eficientes e mais competitivos são encontrados nas zonas mais inferiores. Na zona superior da faixa, encontramos Chthamalus sp. (craca), na zona do meio Tetraclita sp. e, na zona inferior, macroalgas.

As algas verdes são mais resitentes à dessecação que as outras. A tendência da arquitetura das algas é minimizar o contato com o ar.

O tamanho das espécies é determinado pela força das ondas. Em praia batidas há algas coralíneas (que possuem alguma matriz de carbonato), na faixa de Tetraclita, se não ocorrem algas coralíneas, ocorrem algas verdes (Chaetomorpha), algas com aomplexidade baixa. Em praias mais abrigadas encontra-se alga Phaeophyta (Sargassum sp.).

3 Materiais e métodos

3.1 Coleta de macroalgas

A coleta de algas ocorreu na manhã do dia 24 de outubro de 2007 na praia localizada em frente à Base Norte do Instituto Oceanográfico da USP. O dia e horário foram escolhidos de modo que a maré estivesse o mais baixa possível, o que facilitou a coleta e observação do ambiente que normalmente estaria submerso.

[Fig. 4: Sargassum sp. e D. marginata no local de coleta.]
Figura 4: Sargassum sp. e D. marginata no local de coleta.

As algas coletadas foram colocadas em baldes e bandejas com água e em seguida foram levadas para o laboratório, onde foi feita a identificação das espécies através de fotos e fichas de identificação. A lista contendo as espécies encontradas está na seção 4.1 deste relatório.

Juntamente com a coleta, ocorreu uma análise do costão rochoso, para que fosse verficada a zonação das espécies que ocupam esse ambiente.

3.2 Fitoplâncton

A técnica de amostragem de fitoplânctom através de rede é um dos métodos mais utilizados para estudos qualitativos.

As redes de fitoplânctom variam muito quanto ao seu desenho, mas normalmente ela é composta de algumas partes essenciais. A rede padrão consiste de um saco de malha fina em foma de cone com um anél de metal na parte mais larga do cone (boca) e finalizada, na parte mais estreita do cone, com copo cilíndrico de PVC denominado copo de coleta de fitoplâncton. Na boca da rede normalmente prende-se 3 ou 4 estirantes de nylon que é conectado a uma corda ou mecânismo de coleta.

Normalmente as coletas são realizadas com auxílio de embarcações que lançam a rede ao mar e percorrem a rota preestabelecida, anotando o tempo e o espaço abrangido pela coleta.

A vantagem deste tipo de coleta é a facilidade, o baixo custo e o grande volume de água que pode ser filtrado e concentrado. A desvantagem é a distorção da composição de espécies amostradas pela rede. Apenas uma pequena porcentagem de organismo consegue ficar retida na malha da rede: organismos com espículas (exemplo: Nitzschia sp., Skeletonema sp. e outros) ou que formam redes (exemplo: Chaetoceros sp.) são mais ambundantes neste tipo de coleta.

Resultados

4.1 Coleta de macroalgas

Foram identificadas treze espécies de macroalgas, enumeradas a seguir e ilustradas, quando possível, na Figura 5.

Chlorophyta

  1. Caulerpa racemosa
  2. Caulerpa sertularioides
  3. Chaetomorpha antennina
  4. Cladophoropsis membranacea
  5. Enteromorpha intestinalis
  6. Ulva lactuca

Phaeophyta

  1. Colpomenia sinuosa
  2. Padina gymnospora
  3. Sargassum sp.

Rhodophyta

  1. Acanthophora spicifira
  2. Centroceras clavulatum
  3. Dichotomaria marginata
  4. Hypnea musciformis

[Fig. 5: espécies de macroalgas]
Figura 5: linha superior (da esquerda para a direita): Caulerpa racemosa; Sargassum sp. e Caulerpa sertularioides. Linha do meio: Acanthophora spicifira; Ulva lactuca e Colpomenia sinuosa. Linha inferior: Enteromorpha intestinalis; Dichotomaria marginata e Centroceras clavulatum

Durante a identificação das espécies, foi observada também a fauna associada às algas, sendo encontra- dos anfípodas, ofiuróides, carangueijos, entre outros.

4.2 Fitoplâncton

O fitoplâncton foi coletado através de arrasto manual sem utilização de embarcação na praia da base norte de pesquisas do IOUSP em Ubatuba, a coleta ocorreu após a chegada de frente fria. Foram dois arrastos de superficie horizontal de 5 minutos em uma profundidade inferior a 2 metros. A rede utilizada tinha malhagem de 50μm e boca 50cm de diâmetro. Em consequência ao evento de frente fria o mar estava revolto com muito material em suspensão.

A análise foi qualitativa no mesmo dia e portanto não foi necessário a fixação do material. As amostras foram observadas ao microcópio óptico e classificadas com auxílio de material de identificação (desenhos, fotografias, etc), não foi utilizada nenhuma chave de identificação mais precisa e portanto, para a grande maioria dos exemplares, foi identificada apenas a classe. Para alguns exemplares foi possível a identificação no nível de espécie.

Obtivemos os seguintes indivíduos, ilustrados, quando possível, na Figura 6:

Diatomáceas

  1. Chaetocerus coarctatus (vorticela, ciliado);
  2. Climacosphenia
  3. Navicula sp.
  4. Odontella sp.
  5. Pleurosigma sp.
  6. Pseudonitzschia sp.
  7. Synedra sp.
  8. Triceratium pentacrinus
  9. Triceratium trichoceros

Dinoflagelados

  1. Ceratium brevis
  2. Ceratium c.f. inflatum
  3. Ceratium fusus

[Fig. 6: espécies de fitoplâncton]
Figura 6: linha superior (da esquerda para a direita): Ceratium sp.; Triceratium pentacrinus e Odontella sp.. Linha do meio: Navicula sp.; Chaetocerus sp. e Pleurosigma sp.. Linha de baixo: Pseudonitzschia sp. e Synedra sp.

Também foram encontradas cianofíceas (bactérias fotossintetizantes).

4.3 Estudo dirigido

Ambos os textos estudam a variação sazonal vertical dos organismos no costão rochoso, em ambiente batido e outro protegido, utilizando, para medir nível, técnica que consiste em uma mangueira flexível cheia de água.

Um deles observa durante um ano (abril, julho outubro de 1972 e fevereiro de 1973) regiões do Lamberto e Praia Grande, que possuem inclinações diferentes. A contagem de oranismos foi feita utilizando um retângulo de 25 × 50 cm, que percorria o transecto vertical.

Observando a zonação, na Praia Grande as áreas não estavam tão clamente delimitadas e se sobrepunham sempre, havendo mistura de organismos como Littorina e Chthamallus, Corallinacea. e Mytilus, já na Lamberto foram observados dois transectos, o primeiro com uma variável inclinação voltada para leste, recebendo quebra de ondas bem pequenas, o segundo em uma rocha vertical voltada para o Sul sem quebra de onda, porém houve obsevações somente no verão e no inverno, ficando constatado que a população do local era mais estável que da Praia Grande.

O outro texto analiza dois lados da Ponta de Fortaleza, Ubatuba, SP, um batido e outro protegido. A contagem foi feita utilizando um quadrado de 50 × 50 cm, sendo que o tempo de observação foi de 15 meses. No costão protegido o transecto foi colocado mais para o interior da Ponta de Fortaleza, os organismos mais notáveis encontrados foram Littorina zic-zac, Chthamalus bisinuatus, Ralfsia expansa, Ectocarpus breviarticulatus, Centroceras clavulatus, Jania adhaerens, Acanthophora spicifera, Sargassum cymosum. Um exemplo é a Littorina zic-zac, que apresentou migrações relativamente rápidas, havendo grandes flutuações do nivel ocupado de mês para mês. Quando a maré estava baixa o eslocamento era visível, fato não observado em outros períodos do ano.Já no costão batido a zona de Littorina zic-zac mostrou-se dua vezes mais ampla que na outra região, apresentando consideráveis flutuações do nível ocupado. Observa-se que as zonas do costão batido ocupam niveis mais elevados quando comparadas com suas correspondentes no costão protegido devido ao fato de apresentar respingos provenientes da quebra de ondas, e que essas diferenças diminuem com a profundidade. Além disso a amplitude vertical das zonas é maior no lado batido, exceto para Sargassum cymosum e o costão batido, de uma maneira geral, apresenta uma maior diversidade de organismos.

5 Discussão e conclusão

O que foi observado em campo adequa-se ao padrão estudado mundialmente, ou seja, os organismos encontravam-se em faixas de zonação caracterìsticas. Porém, assim como nos textos discutidos, não houve análise de parâmetros físicos e químicos para complementar o estudo, sendo esse meramente biológico, faltando uma visão oceanográfica para o entendimento do processo como um todo.

Encontramos 13 espécies de macroalgas e 12 de organismos fitoplanctônicos, mas não temos parâmetros para comparar e saber se isso era ou não esperado.

5.1 Estudo dirigido

Os dois textos descrevem detalhadamente a distribuição vertical dos organismos nos costões rochosos observados. O método de coleta foi semelhante, porém esses textos não podem ser utilizados para comparação pois visam somente a área biológica, não apresentando dados de temperatura e salinidade confiáveis. Isso acaba por prejudicar os próprios trabalhos descritos em ambos os textos, pois talvez por falta de conhecimento desses dados não é possível explicar certos comportamentos apresentados pelos organismos dos costões, como o fato de migrarem de uma faixa para outra em certo períodos. Outro fato foi que algumas zonas não puderam ser observas detalhadamente em todas as épocas do ano devido a dificultade de trabalho em níveis mais inferiores do costão.

Referências

SOURNIA, A. (Ed.). Phytoplankton Manual. Reino Unido: Unesco, 1978. 337 p. (Monographs on oceanography methodology, 6). ISBN 92-3-101572-9.